por Roberto Dias Duarte*
Tudo começou com o treinamento Solution Selling 3.0
Ao final do quarto dia de treinamento em uma grande empresa do setor de tecnologia, o diretor de operações aplicou a técnica de SPIN Selling comigo tentando vender investimentos em gado. Claro que não funcionou.
Vender boi usando SPIN Selling funciona?
Antes de explicar as causas da falha, vou contextualizar melhor a história. O diretor e eu somos amigos há bastante tempo e, durante o almoço do treinamento, ele me contou que vinha tendo bons resultados em sua fazenda com a criação de gado. Sua empreitada caminhava tão bem que ele estava captando pequenos investidores para ampliar os negócios.
Além de alta rentabilidade, ele usou uma engenharia financeira tendo como base opções de compra e venda no mercado futuro que garantiam a segurança para os investidores. Enfim, um bom negócio para quem busca diversificar aplicações financeiras, com rentabilidade acima do mercado e razoável segurança.
Quando ele compreendeu o SPIN Selling, imediatamente tentou aplicar para seu negócio pessoal e me usou de cobaia. O objetivo da técnica de vendas consultivas é mostrar o “custo de não fazer” por meio de perguntas categorizadas da seguinte forma: situação, problema, implicação e necessidade de solução.
De forma resumida, nosso diálogo fluiu conforme relatarei abaixo, mas usando alguns dados fictícios:
Diretor começa a conversa com uma pergunta de situação:
– Roberto, você tem se preocupado com a situação econômica do país?
– Sim, claro. O cenário está complexo e incerto – respondi.
– E como você tem cuidado dos seus investimentos para aposentadoria? Você usa os fundos de tradicionais das instituições bancárias? – completou, usando outra pergunta de situação.
– Isso, mesmo. Aplico nos fundos do meu banco. Não posso confiar meu futuro no nosso atual modelo previdenciário – respondi.
– Como está a rentabilidade dos fundos que você aplica? – emendou ele, já partindo para as perguntas de explicitação de problemas.
– Olha… aplico em renda fixa e variável. Com a incerteza dos mercados, estou preocupado. Muitos acreditam na queda da inflação e na retomada da economia. Mas estou inseguro. Por isso, aplico em fundos conservadores que dão uma rentabilidade razoável – expliquei.
– A rentabilidade anual destes fundos está entre 12 e 13%, no máximo, correto? – perguntou, indo agora para as perguntas de implicação, cujo objetivo é mostrar o quanto estaria perdendo ao não comprar o produto dele.
– Isso mesmo. Mas é o que o mercado paga para aplicações de baixo risco – concordei, já me justificando.
– Vou supor que você tenha algo em torno de R$100 mil aplicados, afinal, você já vem poupando desde os 17 anos. Certo? – emendou com outra pergunta de implicação.
Balancei a cabeça dando a entender que ele estava correto.
– Se você tivesse acesso a uma aplicação que te assegurasse o capital investido mais 17% ao ano, você estaria perdendo anualmente R$5mil? – prosseguiu ele, finalizando as perguntas de implicação.
Concordei com novo aceno.
– Então, se eu lhe oferecer um investimento que garanta seu capital e, no mínimo, 15% ao ano, você estaria disposto a avaliar essa oportunidade? – fechou o ciclo SPIN com a pergunta de necessidade de solução.
– Não – respondi e sorri.
“Sem dor não há mudança” – fundamento #1 do Solution Selling
A poderosa técnica de venda consultiva SPIN (Situation, Problem, Implication, Need-payoff) não funcionou neste caso por um simples motivo: meu amigo se esqueceu do que havia aprendido no dia anterior, a jornada do consumidor. É exatamente essa a falha que leva muita gente da área de tecnologia da informação a acreditar que metodologias de vendas consultivas não funcionam.
Na prática, elas são bastante efetivas, mas antes de iniciar o processo comercial, é preciso entender que todo possível comprador passa por fases: tranquilo, incomodado, pesquisador, comparador e comprador.
Ou seja, o “tranquilo” ainda nem sabe que tem a dor. O “incomodado” já tem consciência da dor, mas ainda não está buscando solução. O “pesquisador”, por sua vez, está procurando um “analgésico”. Já o “comparador” tem consciência da solução e busca quem a forneça. E o “comprador”, por fim, sabe quem irá fornecer a solução para o seu sofrimento.
Posso garantir que mais de 80% do mercado potencial para qualquer produto ou serviço está na fase “tranquilo”. Então, o seu trabalho é tirar o “tranquilo” da zona de conforto e mostrar aos demais que sua solução tem mais valor que a dos concorrentes.
Para conduzir o consumidor nesta jornada, em larga escala, utilizamos técnicas de marketing de conteúdo em conjunto com ferramentas de marketing digital. Ou seja, produzimos conteúdos para educar o comprador em cada uma das etapas em que ele se encontra, ajudando-o a percorrer o caminho do conhecimento de suas dores e na descoberta dos analgésicos adequados.
O erro fatal que impediu o sucesso na venda do meu amigo foi utilizar a abordagem de venda consultiva em um consumidor ainda na fase tranquilo. Isso é fracasso garantido, pois o comprador sequer compreendeu que tem uma dor. Portanto, está longe de compreender a importância do analgésico!
Marketing de conteúdo + venda consultiva = meta atingida!
De fato, há grande eficácia na aplicação do SPIN ou Solution Selling. Mas isso só ocorre quando o marketing entrega, para o setor de vendas, compradores que já passaram da fase “pesquisador”.
Por isso que muitas boas empresas do setor de tecnologia da informação que investem muito em treinamentos para seus vendedores não conseguem aumentos significativos nos resultados. As ações de marketing de conteúdo, no meio digital, devem estar em sintonia com o processo comercial, guiando o consumidor em sua jornada.
Em outras palavras, o pipeline de vendas deve ser abastecido com oportunidades geradas pelo pipeline de marketing.
Enfim, se passarmos o carro à frente dos bois, tentando aplicar SPIN ou Solution Selling em consumidores tranquilos, a venda não sairá nem que a vaca tussa!
*Roberto Dias Duarte é professor, mentor de empresas de tecnologia e presidente do Conselho de Administração da NTW Franquia Contábil.