Você gostaria de ser sócio de uma empresa prestadora de serviços contábeis com faturamento anual de R$100 milhões por ano? Quem não gostaria, certo? Mas, será possível? No Brasil, talvez um ou dois tenham conseguido esta marca. Nos Estados Unidos, vários.
Adaptei a metodologia de Christoph Janz*, um investidor de empresas de tecnologia em nuvem, com o objetivo de mostrar que é possível chegar aos R$100 milhões por ano (é claro que ele se referia a Dólares, não a Reais). A resposta para esse desafio é: nicho de mercado!
Nichos de mercado para serviços contábeis
Mas, nicho de mercado em serviços de contabilidade? Muita gente bem-intencionada emite opinião sobre o tema. Alguns alegam experiência própria para firmar posição. Outros apenas se posicionam com argumentos emocionais. Mas, no final das contas, poucos têm alguma base conceitual sobre o assunto.
O fato é que, por falta do conhecimento básico da ciência de mercado chamada mercadologia, popularmente conhecida como Marketing, a maior parte dos empreendedores da contabilidade ainda acredita que atuar de forma segmentada é usar o ramo de atividade dos clientes para decidir quais eles irão atender e quais não irão.
Na realidade, segmentação de mercado envolve diversas variáveis. Resumidamente, envolve características geográficas, demográficas e tipo de uso dos serviços. Ramo de atividade é apenas um fator demográfico que pode ser levado em consideração (ou não) quando estamos definindo nichos de mercado.
Então… e os R$100 milhões?
Christoph Janz,sugere que existem oito maneiras de construir uma empresa de Internet de 100 milhões (novamente: ele se refere a dólares, mas adotarei Reais). A fórmula “mágica” que ele apresenta é a segmentação de mercado utilizando o critério de receita média anual por cliente.
Como disse, adaptei estes conceitos para o mercado de serviços contábeis por dois motivos:
- Mostrar que segmentação não é (só) setor de atividade.
- Apresentar uma técnica de segmentação que irá ajudar empreendedores contábeis a crescerem muito e, quem sabe, chegarem aos R$100 milhões.
[box]Após a publicação deste artigo, percebi que algumas (poucas) pessoas não compreenderam o objetivo do texto, mesmo estando expresso no parágrafo anterior. Por isso ressalto: não importa quais são suas metas de receita anual (um milhão ou 100 milhões)! Entenda esta metodologia! Será muito útil para sua empresa.[/box]
A base deste raciocínio pode ser ilustrada desta maneira:
O eixo y mostra a receita anual média por conta (ARPA, em inglês Average Revenue Per Account). No eixo x, você pode ver quantos clientes você precisa, para um determinado ARPA, para obter R$100 milhões em receitas anuais. Ambos os eixos usam uma escala logarítmica.
Para construir um serviço contábil com R$ 100 milhões em receitas anuais, você precisa essencialmente de:
- 10 clientes corporativos pagando R$ 10 milhões por ano cada; ou
- 100 clientes corporativos pagando R$ 1 milhão por ano cada; ou
- 1.000 clientes corporativos pagando R$ 100 mil por ano cada; ou
- 10 mil clientes pagando R$10 mil por ano cada; ou
- 100 mil pequenas empresas que paguem R$ 1 mil por ano cada; ou
- 1 milhão de clientes que paguem R$ 100 por ano cada; ou
- 10 milhões de clientes que paguem R$ 10 por ano cada; ou
- 100 milhões de clientes que paguem R$ 1 por ano cada.
Você deve estar pensando agora: mas R$ 1,00 por ano? Impossível!
Bom, talvez você não queira ir para este mercado, mas sugiro que continue a ler a explicação abaixo, afinal, há 5 anos, quem é que poderia prever que uma empresa de serviços contábeis poderia ter 5 mil empresas pagando R$ 50,00 por mês?
De qualquer forma, quem decide qual é o ARPA alvo, ou seja, o nicho que a empresa contábil quer, é o empreendedor.
“Ele não sabia que era impossível. Foi lá e fez. ” Jean Cocteau
Caçando micróbios
Você precisa de 100 milhões de usuários ativos para construir um negócio de R$ 100 milhões. Isso significa que você precisará de centenas de milhões de downloads ou inscrições em um serviço digital, o que requer um coeficiente viral insanamente alto. Se acontecer, incrível, mas difícil apostar com tanta antecedência.
O micróbio, em soluções contábeis, é algo extremamente difícil pois temos, no Brasil, 19 milhões de CNPJ’s registrados e uma população de pouco mais de 200 milhões de pessoas.
Micróbios só funcionariam se o negócio fosse global e digital: marketing, vendas, atendimento e entrega 100% digitais.
Caçando moscas
Para chegar a R$ 10 milhões de clientes ativos você precisa de cerca de 100 milhões de pessoas que baixem seu aplicativo ou usem seu site. Não há outra maneira de atingir esta marca sem Marketing digital, vendas on-line e serviços automatizados. Na realidade, só existem duas maneiras de caçar moscas:
1). Criar um serviço essencialmente social com altíssimo grau de viralidade;
2). Ter “toneladas” de conteúdo suscitado por usuários para gerar um tráfego SEO gigantesco.
[box]O SEO (Search Engine Optimization) também conhecido como otimização de sites, é rapidamente definido como uma forma de aumentar os acessos do seu site através de um conjunto de técnicas e estratégias que permitem que um site melhore seu posicionamento nos resultados orgânicos dos mecanismos de busca, como Google e Bing. (Fonte: http://www.seomaster.com.br/blog/o-que-e-seo)[/box]
Whatsapp, Instagram e Snapchat são exemplos de serviços que conseguiram sucesso caçando moscas.
Algumas iniciativas brasileiras já foram criadas para monetizar comunidades nas áreas tributárias e, em especial, com relação ao SPED. Nenhuma delas parece ter conseguido o grau de viralidade suficiente para monetizar-se na casa dos milhões de reais. Parece meio óbvio, pois não há público-alvo suficiente para isso. Conforme dados do Conselho Federal de Contabilidade, temos hoje 530.165 profissionais registrados. Mesmo considerando que existem pessoas trabalhando na área tributária (e na tecnologia tributária), não me parece razoável que tenhamos mais que um milhão de profissionais neste setor.
Por isso, só seria possível atingir o número de 10 milhões de pagantes, mirando em pessoas físicas no Brasil. A pergunta de R$ 100 milhões é: o que tanta gente assim precisa? (Sinceramente, se eu soubesse, já teria feito).
Caçando ratos
Para adquirir um milhão de consumidores que pagam cerca de R$ 100 por ano você também precisará de um alto nível de viralidade. Para conseguir isso, a jornada do cliente (descoberta, utilização e recomendação) deve ser rápida e intensa. Ou seja, o serviço deve ser tão bom e tão importante na vida das pessoas que elas ficam ansiosas para compartilhar a experiência. Bons exemplos de caçadores de micróbios são o Evernote, o Dropbox, o Prezi e o Mail Chimp.
Novamente, para serviços contábeis, não consigo enxergar outra alternativa a não ser o mercado de pessoas físicas.
Convenhamos, convencer um milhão de pessoas a pagar R$ 9,90 por mês continua sendo uma tarefa árdua e, sem dúvidas, digital em todas as fases do processo.
Caçando coelhos
A maioria das empresas que atuam no mundo da internet com pequenos empreendimentos cobram algo em torno de R$ 50 a R$ 100 por mês. Então, o ARPA por ano é de cerca de mil Reais. O problema é que a receita é insuficiente para ações de outbound então, a estratégia para caçar coelhos deve ser baseada no tripé: produto extraordinário, NPS (Net Promoter Socore) altíssimo e um primoroso inbound marketing.
[box]Inbound Marketing – Elas derivam do Inbound Marketing, que é uma abordagem de marketing voltada principalmente para o marketing digital. O Inbound começa com o objetivo de atrair visitantes para a plataforma online (site/blog) e gerar leads orgânicos para o time comercial. O lead que é repassado ao vendedor já conhece a empresa e tem interesse em saber mais sobre o produto ou serviço. (Fonte: https://endeavor.org.br/vendas-inbound-outbound)[/box]
[box]O outbound marketing já é bem conhecido por ser aquele que anuncia a marca para os prospects, desde grandes campanhas em mídias televisivas e impressas, até ligações de telemarketing. (Fonte: https://marketingdeconteudo.com/inbound-marketing-x-outbound-marketing)[/box]
[box]O Net Promoter Score, ou NPS, é uma metodologia criada por Fred Reichheld, nos EUA, com o objetivo de realizar a mensuração do grau de satisfação e fidelidade dos consumidores de qualquer tipo de empresa. Sua ampla utilização se deve à simplicidade, flexibilidade e confiabilidade da metodologia. (Fonte: https://satisfacaodeclientes.com/net-promoter-score)[/box]
Para adquirir 100.000 desses clientes, você precisa de algo em torno de um milhão de cadastros de teste, considerando a sua taxa de conversão de 10%.
Vamos assumir que o seu LTV (life time value) por cliente é de $ 2.700 (assumindo uma vida útil média do cliente de três anos e uma margem bruta de 90%) e que você deseja que seu LTV seja 4 vezes o CAC (custo de aquisição de clientes). Nesse caso, você pode gastar R$ 675 para adquirir um cliente. Se sua taxa de conversão é de 10%, significa que você pode gastar R$ 67,50 por assinatura gratuita.
Então, como você pode obter um milhão de inscrições investindo menos de R$ 70 em marketing?
Novamente, não há “bala de prata”, mas a coisa mais próxima é um marketing sensacional – além de ter um produto fantástico com um NPS muito alto e estar obsessivamente focado na otimização de funil de vendas.
Outra opção é uma estratégia OEM (ou seja, obter o seu produto distribuído por grandes parceiros), que pode funcionar.
No mercado de serviços contábeis temos mais de 30 empresas no Brasil caçando coelhos. A maioria embarcou nessa onda por modismo e irá arcar com prejuízos altos. São as chamadas contabilidades on-line, que fora do Brasil têm até outro nome: contabilidade “faça você mesmo” (Do It Yourself).
Talvez duas ou três sobrevivam. Mas, com certeza, a maior parte sequer estudou o mercado de “coelhos” antes de investir suas economias. Posso garantir que são poucos que estão familiarizados com os conceitos de CAC, NPS, LTV.
Caça de cervos
Se você é um caçador de cervos e quer adquirir 10 mil clientes pagando R$ 10 mil por ano, a maioria das táticas de caça ao coelho ainda se aplicam.
Um ARPA de R$ 10 mil por ano, geralmente, não é suficiente para fazer vendas de campo presenciais e você provavelmente ainda precisa obter 100.000 ou mais leads.
A principal diferença é que, quando você está caçando cervos, você pode usar uma força de vendas interna (inside sales) para converter leads em contratos. Isso também significa que você pode pagar uma comissão atrativa para os parceiros.
[box]O termo Inside Sales surgiu exatamente com o objetivo inicial de diferenciar o novo modelo de vendas complexas feitas de maneira remota do tradicional telemarketing usado de forma exagerada por empresas americanas desde o início dos anos 50 e que se popularizou no Brasil nos anos 90.
Aqui vale uma explicação extra, já que esta diferença é crucial para que você entenda melhor o conceito que estamos discutindo. O telemarketing tradicional está focado em uma única ligação com um script previamente definido e no qual o vendedor, muitas vezes pouco preparado, irá insistir para que você compre o produto quase que de maneira mecânica.
Já o modelo de Inside Sales funciona melhor para a venda de produtos de maior complexidade e que requerem certo nível de conhecimento do vendedor para que, por meio de uma série de reuniões virtuais, o negócio seja fechado. (Fonte: https://resultadosdigitais.com.br/blog/inside-sales)[/box]
No mercado de prestação de serviços contábeis, a maior parte das empresas caça cervos. O problema é que não têm força de vendas nem parceiros de captação de novos clientes.
Algumas iniciativas interessantes surgiram recentemente (desde 2011, para ser mais específico). São as franquias de escritórios de contabilidade. Hoje, ainda são apenas meia dúzia de franqueadoras. Mas, estes empreendedores da contabilidade estão fazendo um belo trabalho ao transformar suas unidades franqueadas em consultores de serviços e, sobretudo, de vendas.
Para caçar cervos, é importante também ficar atento ao conceito de contabilidade digital. Enquanto a contabilidade online se restringe à escrituração e à demonstração, o modelo de contabilidade digital se propõe a utilizar a tecnologia da informação para automatizar, tanto quanto possível, a escrituração e a demonstração, liberando tempo para execução de serviços de maior valor agregado.
A melhor forma de entender o conceito de contabilidade digital é enxergando a internet como um meio para a realização de tarefas contábeis. A sua proposta consiste em utilizar sistemas ERP em nuvem para conectar o escritório aos seus clientes.
Utilizando os conceitos de contabilidade online, os prestadores de serviços contábeis podem realizar o BPO Digital para conseguir honorários mensais acima de R$ 3 mil.
[box]BPO é uma sigla em inglês para Business Process Outsourcing (Terceirização de Processos de Negócio). Trata-se de uma espécie de “terceirização” de todos os processos internos não ligados diretamente ao core business da organização. (Fonte: https://blog.synchro.com.br/2015/08/21/business-process-outsourcing-bpo-o-que-e-e-o-que-faz)[/box]
No BPO digital, o escritório contábil processa todas as contas a pagar e a receber de seus clientes, por exemplo. Só que ele utiliza um ERP em nuvem para simplificar e automatizar o processo de comunicação com as empresas.
Com os honorários mensais acima de R$ 3 mil, para ter uma empresa contábil de R$ 100 milhões você precisará de menos de 4 mil clientes.
Ou seja, se você está caçando cervos e ainda não profissionalizou sua área de marketing e vendas, cuidado! Talvez seja a hora de se unir às máquinas de vendas que estão sendo construídas pelas franqueadoras e outros tipos de redes de escritórios de contabilidade. Ou então crie a sua… Antes que seja tarde!
Caçando elefantes
Goste ou não, a maioria das maiores empresas do mundo da tecnologia obtêm a maior parte de suas receitas com a venda de assinaturas caras para grandes empresas. SalesForce.com e SAP são exemplos casos de sucesso na caça de elefantes.
Afinal, você só precisa de 1.000 clientes e os R$ 100 mil que você precisa de cada um deles é menor do que o valor que eles gastam com o salário de um bom profissional.
BPO – Business Process Outsourcing – é o que muitas empresas contábeis estão fazendo para conseguir uma receita mensal superior a R$10mil de seus clientes. Algumas delas já estão implantando ERP em nuvem para seus clientes de BPO com objetivo de reduzir os custos operacionais do processo e agregar mais valor para seus clientes.
O BPO tem uma grande vantagem: a empresa contábil trabalha com custo fixo mínimo, pois usa a infraestrutura do cliente.
Neste modelo de negócios, a atração de leads, em geral, é presencial. Eventos, visitas, participação em feiras. A conversão de leads em clientes é feita por uma equipe de vendas especializada e o pós-venda, ou seja, a operação, é totalmente personalizada.
Caçando Brontossauros e baleias
Outra maneira de chegar a R$ 100 milhões é com 100 clientes, cada um pagando R$ 1 milhão por ano. Ou 10 clientes pagando R$ 10 milhões por ano.
No mundo da contabilidade este caminho já foi trilhado pelas Big Four que, aliás, já passaram da receita anual de US$ 30 bilhões. Ou seja, ninguém pode falar que isso é impossível.
Resumo da conversa: nicho para serviços contábeis é muito mais que ramo de atividade de clientes
Resumindo, se você quer ter uma empresa de serviços contábeis de R$ 100 milhões, trabalhe de forma “nichada”. O nicho, neste tipo de análise, é definido pela receita anual média por cliente (ARPA). Para cada “animal” que você estiver caçando, há um modelo de negócios ideal.
Se você caça vários animais diferentes, seus processos de atração de leads (marketing), conversão de contratos (vendas) e entrega dos serviços (operação) se tornam pouco eficientes e artesanais. E sua empresa vive uma esquizofrenia corporativa! Para cada animal, as pessoas responsáveis por marketing, vendas e operação têm que ajustar o comportamento e suas ferramentas de trabalho.
Então, atuar de forma “nichada”, segundo Christoph Janz, é ter clareza sobre qual é o animal que você e sua equipe estão caçando.
Fato é que, seja qual for o seu bicho-alvo, é imprescindível a profissionalização do marketing, vendas e entregas. Mesmo que você queira bem menos que 100 milhões de reais.
*Christoph Janz é sócio da Point Nine Capital, empreendedor de Internet e investidor de anjo. Em 1997, co-fundou DealPilot.com e em 2005 co-fundou o Pageflakes. Seus investimentos incluem Zendesk, FreeAgent, Geckoboard, Algolia, Typeform, Contentful e outras startups SaaS. Seus artigos estão em: http://christophjanz.blogspot.com.br/