por Roberto Dias Duarte (*)
Era uma vez um país muito sujo, coberto de lixo por todos os lados. Ruas, calçadas, parques e até mesmo florestas não escapavam de tanta poluição, o que logo daria àquela nação o incômodo título de a mais imunda do mundo. Mas o problema não estava apenas na quantidade, e sim na gigantesca variedade de detritos existentes.
Além de incomodar a todos, a sujeira em profusão atrapalhava os negócios e restringia as oportunidades de crescimento, reduzindo a quantidade de empregos no país.
Na tentativa de diminuir o lixo e criar um ambiente minimamente aceitável, as organizações consumiam muito tempo de seus empregados. O somatório dos esforços para tal tarefa, em cada empresa, correspondia a uma verdadeira fortuna. Obviamente, isso era repassado ao consumidor final. Além disso, doenças nos clientes e funcionários eram constantes, a exemplo de autuações, multas trabalhistas e ações promovidas pelos órgãos públicos sanitários.
Neste país havia alguns lixeiros que ganhavam muito dinheiro. Nem todos, claro! Mas alguns deles eram especialistas em cada tipo específico de limpeza. Alguns se tornaram exímios em eliminar resíduos de insumos para indústrias. Outros, na retirada da sujeira de produtos vendidos pelo comércio. Uma terceira parcela se especializou no lixo residencial, e assim por diante.
Mas as especializações tornaram-se, com o tempo, muito sofisticadas, devido às características de cada indústria, comércio, prestador de serviços e até autônomos. Chegou-se ao ponto de haver especialista em lixo nos insumos da indústria alimentícia de conservas. Sem contar com as características locais de diferentes detritos. Cada estado e até município era de tal forma peculiar neste quesito, que o especialista de uma região simplesmente não conseguia trabalhar em outra.
Há décadas, a sociedade clamava por providências. Seria urgente uma reforma com o objetivo de reduzir a quantidade e a diversidade daquele verdadeiro lixão nacional. Todos deveriam ganhar com isto, principalmente os mais pobres. Afinal, eles poderiam comprar produtos mais baratos e haveria mais empregos decorrentes do desenvolvimento de novos negócios. Esta mudança facilitaria ainda a abertura de novas empresas, pois muita gente acabava desistindo de ter o seu próprio empreendimento, dada a dificuldade de tratar o lixo gerado por essa corajosa atitude .
Na tentativa de reduzir a sujeira, as autoridades criaram um Sistema Público de Fiscalização Eletrônica de Detritos, o SPFED. Empresas foram submetidas a dezenas de sistemas de controle digitais. Documentos eletrônicos tomaram conta do cotidiano empresarial, como a Nota de Controle de Circulação de Lixo; o Conhecimento de Transporte de Lixo e a Nota de Serviços de Tratamento de Lixo.
Diversos outros sistemas foram incorporados, caso do Controle da Fiscalização Digital de Trânsito de Lixo, do Controle da Fiscalização Digital das Contribuições Poluentes e também do Registro Eletrônico de Informações sobre Retenções de Detritos. Criou-se até um sistema de controle eletrônico dos trabalhadores relacionados às atividades poluentes, o eSanitário. Mesmo com tantas iniciativas de fiscalização, o lixo só aumentava. Em quantidade e complexidade.
Havia, basicamente, dois grupos na sociedade contrários às reformas: os grandes beneficiados e os iludidos. Os primeiros eram os grandes corruptos, que exploravam a indústria de multas e autuações sanitárias. Em conluio com algumas “grandes” empresas, ganhavam bilhões para reduzir o custo dos seus lixos, obtendo em contrapartida duas formas de benefício: vantagens especiais do governo em troca de dinheiro para campanhas políticas e criando barreiras protecionistas para impedir que empresas éticas entrassem em seus mercados. Ou seja, políticos e corporações poderosas, porém inescrupulosas, trabalhavam na surdina para criar mais lixo a cada dia.
O segundo grupo de beneficiados, os iludidos, era composto por alguns consultores de lixo convencidos de que, quanto maior fosse a quantidade e a diversidade da sujeira, mais dinheiro ganhariam com seus serviços. Eles não entendiam como prosperar em países extremamente limpos. Mal poderiam imaginar que nesses lugares os consultores eram mais valorizados e bem remunerados. Muitos profissionais do governo, envolvidos nas atividades fiscalizatórias, também eram contra as reformas. Eles tinham medo de perder o emprego. Por isso, alegavam que se o lixo acabasse, muita gente ficaria fora do mercado.
Inúmeras gerações se perderam até que houvesse uma mudança de verdade no país. Finalmente, foram realizadas reformas beneficiando a maioria e os “parasitas do lixo” perderam a guerra. O lixo se reduziu drasticamente em quantidade e qualidade.
O país encontrou, finalmente, o caminho da prosperidade. As empresas cresceram, empregos foram gerados. Novos empreendedores surgiam todos os dias. As exportações aumentaram. Investidores internacionais apostavam mais no país. Os corruptos foram pegos e as empresas a eles associadas, severamente punidas.
E qual destino tiveram os consultores de lixo? A profissão extinguiu-se? Na realidade, não. Os iludidos perderam suas consultorias, afinal eles criaram modelos de negócios que apenas seriam sustentáveis em um ambiente altamente poluído.
Contudo, outro tipo de consultor surgiria. Aquele que entendeu sempre haver lixo a produzir, e que a simplificação desses detritos geraria inovações nos serviços consultivos, suscitando uma relação “ganha-ganha-ganha” entre consultorias, empresas e sociedade.
Enfim, proliferaram as consultorias de reciclagem, de melhoria da competitividade ambiental, de planejamento global de ações preventivas, integrando a cadeia produtiva do país ao resto do mundo. Elas entenderam que sua missão não seria cuidar do lixo, mas sim da saúde das empresas e das pessoas, num ambiente literalmente limpo.
Infelizmente, no Brasil atual ainda há muita gente acreditando na política de quanto pior for nosso sistema tributário – diga-se de passagem, há décadas o mais complexo do mundo – , melhor. Esses “profissionais” simplesmente não concebem a ideia de trabalhar inseridos num sistema claro, objetivo, justo e simples. Certamente se esquecem da existência de consultores em países como Estados Unidos, Alemanha e Japão. Pobres almas iludidas! Deve ser frustrante pensar que você só consegue ganhar dinheiro se o resto da sociedade perder, mergulhada em pilhas e pilhas do mais puro lixo!
Por outro lado, é cada vez maior a quantidade de profissionais na área tributária e contábil cientes de que sua missão não é cuidar da sujeira, e sim da saúde das pessoas e empresas. Estes sim são dignos de se orgulhar do papel que exercem, não apenas em seu trabalho diário, mas principalmente no país bem melhor que estão ajudando a construir.
() Roberto Dias Duarte é sócio e presidente do Conselho de Administração da NTW Franchising, primeira franquia contábil do país.