por Roberto Dias Duarte (*)
O comércio eletrônico é um fenômeno mundial que promove uma verdadeira ruptura nos padrões estabelecidos de venda de mercadorias e serviços. A competição acirrada leva as empresas a adotar este expediente não somente para melhorar processos e reduzir custos, mas também obter avanços fundamentais no atendimento ao cliente.
Obviamente, alguns desses efeitos são menos percebidos no Brasil, devido à enorme barreira burocrática e tributária que desestimula a competição global. Ainda assim, as transações virtuais já fazem parte da vida de mais de 60 milhões de brasileiros.
Contudo, recentemente esse tipo de atividade recebeu um duro golpe, que talvez coloque em risco as empresas já estabelecidas do setor. Mais ainda, a própria criação de negócios inovadores, que poderiam efetivamente gerar riqueza e empregos. O que houve de tão grave?
Nos últimos anos, os estados menos desenvolvidos economicamente passaram a utilizar o ICMS como instrumento de política desenvolvimentista. O tributo estadual tornou-se uma forma de atração de investimentos privados.
Governadores convenciam a iniciativa privada a investir criando desonerações relacionadas ao ICMS, como reduções de base de cálculo e alíquota, créditos presumidos, diferimento etc. Tudo em nome do desenvolvimento econômico e social.
A reação dos estados que se sentiram prejudicados foi intensa. Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn) foram ingressadas no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando as legislações estaduais que criavam benefícios fiscais. A justificativa era a falta da autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
É responsabilidade deste órgão federal promover a celebração de convênios, para efeito de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais do imposto. Este Conselho é constituído por representantes de cada estado, Distrito Federal e Governo Federal.
Assim, o STF declarou a inconstitucionalidade da concessão unilateral de benefícios fiscais relativos ao ICMS sem a prévia celebração de convênio intergovernamental, por afrontar a Lei Complementar 24/1975 e o artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, letra ‘g’, da Constituição Federal.
Iniciou-se, portanto, uma nova fase na “guerra fiscal”, dada à reação dos estados ditos “consumidores”, ou seja, aqueles que buscam atrair investimentos. Este movimento levou à aprovação da Emenda Constitucional nº 87/2015 (EC 87/2015), que criou uma nova regra sobre a incidência do ICMS nas operações realizadas entre estados. Porém, uma “pequena” alteração neste tributo acabaria por alterar profundamente sua essência.
O ICMS tinha como regra geral o fato de ser devido no estado de origem da mercadoria. O Diferencial de Alíquota (DIFAL) era apenas uma exceção, em uma situação específica.
O e-commerce no Brasil era insignificante no ano 2000. Em 2015, esta atividade foi responsável por um faturamento superior a R$ 43 bilhões. Com isso, consumidores dos estados menos desenvolvidos passaram a comprar, cada vez mais, mercadorias de empresas sediadas em outras unidades federadas, em especial São Paulo e Rio de Janeiro. Assim, a arrecadação do ICMS concentrava-se ainda mais naquela região.
A EC 87/2015 criou um cronograma modificando a repartição do ICMS nas compras virtuais. Em 2016, o estado de destino da mercadoria ficará com 40% do diferencial de alíquotas; e o estado de origem, com 60%. Em 2017, 60% para o estado comprador e 40% para o vendedor. O estado consumidor ficará com 80% em 2018, e a partir de 2019, o diferencial será integralmente cobrado pelo estado de destino.
O que é grave de fato é a burocracia criada pelo Convênio ICMS 93/2015, que regulamenta a aplicação da EC 87/2015, aprovado pelo Confaz, ou seja, com aceitação de todos os estados e o Governo Federal.
O Convênio obriga as empresas que vendem mercadorias entre estados a recolher o ICMS na origem e no destino. Uma opção de recolhimento do tributo é a realização de Inscrição Estadual (IE) no estado de destino; outra é recolher por nota fiscal emitida utilizando uma Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE). Nesse caso, a GNRE deverá acompanhar a mercadoria durante o transporte.
Estes procedimentos aumentam a insegurança jurídica das empresas e encarecem os produtos por causa dos custos de conformidade e da burocracia, inclusive para as empresas do Simples Nacional.
Dificilmente teremos uma nova mudança constitucional. Contudo, estados e Governo Federal foram atores da maior imbecilidade coletiva da história de nosso país.
O resultado dessa sandice burocrática já é percebido. Empresas pequenas de comércio eletrônico estão fechando – de fato ou de forma. Ou seja, encerram as operações ou trabalham na informalidade, sem emissão de nota, e obviamente, sem recolher os impostos. Mais ainda, as médias e grandes estão “selecionando” os estados que poderão comprar seus produtos. Ora, se o mercado consumidor é concentrado, por que gastar muito para vender pouco? Ou seja, o resultado prático é que estão matando a galinha dos ovos de ouro. Irão dividir zero por 27 (ou 28, incluindo-se aí o Governo Federal).
Com um mínimo de inteligência e boa vontade, os entes federados poderiam utilizar o banco de dados das notas fiscais eletrônicas (NF-e) e promover essa repartição sem que empresas e consumidores tivessem trabalho (e custo) algum.
Em nota divulgada à imprensa no dia 28 de fevereiro, o Confaz afirmou que “a mudança é uma medida de redução de desigualdades e de desequilíbrio tributário entre os estados, aguardada há mais de uma década pela maioria das unidades da federação”.
Ora, no estado civilizatório atual já passamos da fase de compreensão que os fins não justificam os meios. Mais ainda, após quase uma década de implantação da Nota Fiscal Eletrônica, não há justificativa técnica para tamanho retrocesso! A operacionalização da EC 87/2015 poderia ter sido inteligente o suficiente para gerar impacto zero no custo de conformidade do comércio.
Estados “pobres” e “ricos”, governos estaduais de partidos de situação e de oposição, o ministro da Fazenda, bem como o secretário da Fazenda e o secretario do Tesouro Nacional, dentre outros representantes do governo, são os responsáveis diretos por essa decisão.
Seria então o Convênio ICMS 93/2015 uma prova cabal da unanimidade da incompetência da burocracia estatal brasileira? Ou apenas mais uma prova de que o setor público tem apenas um objetivo: aumentar o nosso grotesco manicômio burocrático para preservar seus próprios interesses? Ou seja, de pública, a administração só teria mesmo a origem dos recursos?
Enfim, antes mesmo de discutir a legalidade, é preciso entender se o que houve foi incompetência ou má-fé.