A ciência comprova: seu escritório contábil já atua de forma segmentada

por Roberto Dias Duarte

Um dos temas mais debatidos no mercado de serviços contábeis é a segmentação de clientes. Muita gente boa, bem-intencionada, registra sua opinião, seja nas redes sociais, seja em encontros presenciais.

O fato é que boa intenção não basta para o sucesso. Marketing é uma ciência, tal qual a contabilidade. É a ciência do mercado, também chamado de mercadologia. Compreender os conceitos desta disciplina exige estudo e dedicação, no mínimo.

Philip Kotler é considerado o pai do Marketing. Em 1967, ele publicou “a Bíblia do Marketing “: o livro “Administração de Marketing: Análise, Planejamento e Controle”.

Para Kotler, segmentação significa reconhecer que você não consegue servir a todos os clientes com o mesmo nível de satisfação. Assim, para deixá-los satisfeitos, você precisa definir seu Mercado Alvo.

Mercado Alvo consiste em um conjunto de compradores que têm necessidades e/ou características que a empresa ou organização decide atender.

Kotler ainda define outro conceito imprescindível para qualquer ação de marketing: o posicionamento.  Posicionar-se é mostrar para o seu público alvo qual é a diferença entre você e seus competidores.

Entenda cientificamente o que é segmentação de mercado

O processo de planejamento de marketing estratégico decorre de uma declaração de missão e visão para a seleção de mercados-alvo e a formulação de um mix de marketing específico e objetivo de posicionamento para cada produto ou serviço que a organização oferecerá.

Kotler apresenta a empresa como uma criação de valores e uma sequência de entregas.

Em sua primeira fase, escolhendo o valor, o estrategista “prossegue para segmentar o mercado, selecionando o alvo de mercado apropriado e desenvolvendo o posicionamento de valor da oferta. A fórmula – segmentação, mercado alvo (targeting), posicionamento (STP) – é a essência do marketing estratégico. (Kotler, 1994).

A segmentação do mercado é uma estratégia adaptativa. Consiste na partição do mercado com o objetivo de selecionar um ou mais segmentos que a organização pode alcançar através do desenvolvimento de ações de marketing específicas que se adaptam a determinadas necessidades do mercado.

Mas a segmentação do mercado não precisa ser uma estratégia puramente adaptativa: seu processo de segmentação também pode consistir na seleção dos caminhos para os quais uma empresa pode ser particularmente adequada para atender vantagens competitivas em relação aos concorrentes no segmento, reduzindo o custo de adaptação para ganhar um nicho.

A aplicação deste processo serve para desenvolver o escopo competitivo, que pode ter um “efeito poderoso na vantagem competitiva porque molda a configuração da cadeia de valor”. (Porter, 1985).

De acordo com Porter, o fato de que os segmentos diferem amplamente em atratividade estrutural e seus requisitos de vantagem competitiva traz duas questões estratégicas cruciais: a determinação de – (a) onde uma indústria irá competir e – (b) em quais segmentos as estratégias serão sustentáveis construindo barreiras entre segmentos (Porter, 1985).

A segmentação como um processo consiste na identificação e seleção dos “caminhos” e na criação de ações de marketing para segmentos-alvo. O resultado do processo de segmentação deve produzir “segmentos de mercado verdadeiros” que atendam a três critérios: (a) Identidade do grupo: os segmentos verdadeiros devem ser agrupamentos homogêneos em segmentos. (b) Comportamentos sistemáticos: um segmento verdadeiro deve atender às exigências práticas de reagir de forma semelhante às ações de marketing. (c) O terceiro critério refere-se ao potencial de eficiência em termos de viabilidade e custo para atingir um determinado segmento (Wilkie, 1990).

Como identificar o segmento de mercado

A primeira etapa da análise de mercado consiste na identificação do segmento. O analista tem a opção de segmentar o mercado usando diferentes conjuntos de critérios, incluindo características pessoais do consumidor, benefícios buscados e medidas comportamentais do consumidor (Wilkie, 1990).

Não há nenhuma receita mágica para escolher quais variáveis utilizar quando segmentar. A identificação de variáveis de segmentação está entre as partes mais criativas do processo, pois envolve a concepção de dimensões ao longo das quais os produtos e compradores se diferem, trazendo importantes implicações estruturais ou de cadeia de valor.

Além disso, “a maior oportunidade para criar vantagem competitiva geralmente vem de novas formas de segmentação, porque uma empresa pode atender às necessidades do comprador melhor do que os concorrentes ou melhorar sua posição de custo relativo. (Porter, 1985).

Variáveis importantes para segmentação de mercado

1. Variáveis geográficas 

Os modelos geodemográficos são conceitualmente baseados nos pressupostos de que os bairros contêm grupos homogêneos de indivíduos e que esses grupos podem ser agrupados, além de compartilharem semelhanças entre as geografias.

Na prestação de serviços contábeis, a segmentação exclusivamente geográfica é praticada por quase todos os escritórios de contabilidade.

Nenhum escritório contábil brasileiro tem abrangência nacional. Mesmo as redes e franquias não conseguem levar seus serviços a 100% dos municípios.

Enfim, mesmo que empiricamente, todos os prestadores de serviços contábeis no Brasil atuam de forma segmentada utilizando, no mínimo, a variável geográfica.

A segmentação  puramente geográfica é pobre do ponto de vista mercadológico pois as vantagens competitivas geradas na cadeia de valor são facilmente derrubadas pelos competidores que posicionam-se por preço ou por valor.

2. Variáveis demográficas

As variáveis demográficas classificam os consumidores por seus valores e estilos de vida.

No mercado de serviços contábeis, o ramo de atividade da empresa é apenas uma das diversas variáveis demográficas que podem ser consideradas durante o processo de segmentação.

2.1. Perfis de comportamento com relação à adoção de tecnologia 

Outra variável importante para a definição de segmentos de mercado para escritórios de contabilidade tem relação direta com o comportamento das pessoas quanto à adoção de novas tecnologias.

Considerar que todo mundo responde da mesma forma à introdução de uma inovação tecnológica é uma crença pueril.

Portanto, o escritório que atua utilizando novas tecnologias, como a Contabilidade Digital, precisa considerar esta variável para a segmentação do mercado.

Geoffrey Moore, autor do livro Atravessando o Abismo (Crossing the Chasm), separa o mercado em 5 grupos, de acordo com seu posicionamento frente à aceitação de inovações:

  • Inovadores: São aqueles que não resistem à inovação e confiam plenamente naquilo que é novo. Procuram constantemente se adaptar às modificações da tecnologia. Em outras palavras, estão dispostos, inclusive, a assumir possíveis riscos iniciais.
  • Visionários ou early adopters: Estes também são dispostos a iniciar algo novo sem medo, mas, além disso, são extremamente visionários e buscam a vantagem competitiva na adoção da inovação. Esta é a segunda categoria mais rápida de indivíduos que adotam uma novidade.
  • Pragmáticos ou early majority: Nessa categoria, os indivíduos adotam uma inovação após um período variável de tempo. Este tempo de adoção é significativamente mais longo do que os inovadores, por exemplo.  No caso, eles tendem a esperar resultados de outras adaptações para ver como podem se beneficiar. Conquistar esse grupo é um bom indicador.
  • Atrasados: Os atrasados são considerados conservadores. Costumam adotar uma inovação com um alto grau de ceticismo e só depois que a maioria dos profissionais já adotaram. Preferem adotar soluções que impactem muito na rotina já estabelecida e integrem facilmente com sua atual operação.
  • Retardatários: São os últimos a adotar uma inovação. Ao contrário das categorias anteriores, eles possuem uma aversão às mudanças e preferem manter as “tradições”. Só vão adotar uma nova tecnologia, por exemplo, se não tiverem outra opção.
Moore, Geoffrey A. Crossing the Chasm: Marketing and Selling Technology Products to Mainstream Customers.
Moore, Geoffrey A. Crossing the Chasm: Marketing and Selling Technology Products to Mainstream Customers.

2.2. Comportamentais: nível do serviço e receita por cliente

As medidas comportamentais consideram o uso do produto e o comportamento real, como padrões de compra, dados de uso, canal, propriedade, quantidades, fidelidade à marca, atitudes, etc.

Para escritórios contábeis, as variáveis comportamentais são imprescindíveis para um bom trabalho de segmentação. Especialmente no que diz respeito ao que os clientes esperam para usar em termos de serviços.

Durante a Accountex 2017, Gary Boomer apresentou um quadro demonstrando que empresas contábeis podem oferecer três níveis de serviços: conformidade legal, consultoria para melhoria do desempenho empresarial e consultoria estratégica.

Accountex 2017, Gary Boomer, tradução: Roberto Dias Duarte
Accountex 2017, Gary Boomer, tradução: Roberto Dias Duarte

A maioria dos contadores se encontra na fase em que o seu papel é auxiliar o cliente com o cumprimento de obrigações fiscais e  tributárias.

Alguns escritórios de contabilidade já superaram a fase inicial e apresentam relatórios que permitem a análise de dados importantes para o crescimento da empresa. Nesta fase, o profissional da contabilidade percebe que a comunicação, empatia e experiência do cliente são tão importantes quanto as atividades técnicas para a produção das análises.

No terceiro nível, há uma pequena quantidade de escritórios oferecendo serviços de planejamento tributário, estratégico, avaliação de empresas e consultorias para fusões e aquisições. Obviamente que o mercado consumidor destes serviços é composto por grupos muito diferentes de empreendedores.

Então, esta é outra variável, de extrema relevância, para realizar um bom trabalho de segmentação.

A pergunta é: seu escritório busca clientes que compram o nível 1, 2 ou 3 de serviços contábeis?

3. Receita anual por cliente

Christoph Janz, um investidor de empresas de tecnologia em nuvem, criou uma metodologia para segmentação, baseada na receita anual média por conta (ARPA, em inglês Average Revenue Per Account).

Conforme a técnica temos:

  • Baleias: clientes corporativos que pagam $ 10 milhões por ano cada
  • Brontossauros: clientes corporativos que pagam $ 1 milhão por ano cada
  • Elefantes: clientes corporativos que pagam $ 100 mil por ano cada
  • Cervos: 10 mil empresas médias que pagam $ 10 mil por ano cada
  • Coelhos: pequenas empresas que pagam $ 1 mil por ano cada
  • Ratos: 1 milhão de clientes que pagam $ 100 por ano cada; ou
  • Moscas: clientes que pagam $ 10 por ano cada
  • Micróbios: clientes que pagam $ 1 por ano cada.
Christoph Janz, um investidor de empresas de tecnologia em nuvem, criou uma metodologia para segmentação, baseada na receita anual média por conta (ARPA, em inglês Average Revenue Per Account).
Christoph Janz criou uma metodologia para segmentação, baseada na receita anual média por conta.

Para caçar cada um destes animais, há uma combinação perfeita de estratégias de marketing, vendas e entrega dos serviços. Assim, quanto mais focado em um animal, mais eficientes serão suas empresas prestadoras de serviços contábeis.

Por outro lado, quanto mais animais diferentes você caça, maior será seu custo e menor será a sua percepção de valor por parte dos clientes.

Segmentar para diferenciar seu serviço contábil

De acordo com Kotler, a única estratégia genérica sustentável em um mercado segmentado é a diferenciação. Ele explica que a única alternativa de estratégia competitiva genérica (baixo custo) não é sustentável em um mercado segmentado. Além disso, uma estratégia bem-sucedida na diferenciação deve gerar valor ao cliente, fornecer valor percebido e ser difícil de copiar.

Neste ponto, o processo seleciona as formas em que se distinguirá de seus concorrentes. Na maioria dos casos, a diferenciação envolve múltiplos elementos.

De fato, “as estratégias de diferenciação mais bem-sucedidas envolvem a organização total, sua estrutura, sistemas, pessoas e cultura” (Aaker, 1996).

Uma maneira de se diferenciar é através da construção da marca. Uma estratégia baseada na marca provavelmente será sustentável porque cria barreiras competitivas. Uma estratégia de marca permite que o empreendedor trabalhe com conceitos complexos e não limite a tática de distinção a apenas algumas diferenças competitivas. Uma estratégia bem-sucedida constrói barreiras para proteger a posição selecionada criando associações das variáveis de posicionamento com a marca na mente da perspectiva.

Resumo sobre a segmentação em escritórios de contabilidade

Enfim, não há como negar que todos os escritórios contábeis brasileiros já trabalham utilizando pelo menos uma forma de segmentação: a geográfica.

Também não podemos deixar de notar que esta é uma forma primária de atuação segmentada que, em especial nos dias atuais, está longe de gerar valor para os clientes.

Agora que você já conhece cientificamente o tema, reflita sobre o seu escriório:

  1. Quais são os níveis de serviços que você busca oferecer (conformidade legal, performance, estratégia)?
  2. Qual é o perfil ideal de clientes quanto à adoção de tecnologias (inovadores, pragmáticos, conservadores, céticos)?
  3. Qual é a receita média anual por cliente que você busca (de micróbio a baleias)?
  4. Segmentar por ramo de atividade dos clientes faz sentido para seu escritório?

Estas são as primeiras reflexões para um trabalho realmente sério de segmentação! Mas lembre-se: isso é só o começo. Acompanhe os próximos artigos para compreender o que fazer depois da etapa de segmentação de mercado!

Referências:

Kotler, P. & Armstrong, G.  Principles of Marketing. Upper Saddle River, NJ, Prentice Hall, 1994.

Porter, M. E. The Competitive Advantage: Creating and Sustaining Superior Performance. NY: Free Press, 1985.

William L. Wilkie. Consumer Behavior. John Wiley & Sons Canada, Limited, 1990

Moore, Geoffrey A. Crossing the Chasm: Marketing and Selling Technology Products to Mainstream Customers. New York, N.Y.: HarperBusiness, 1991.

Aaker, David A. Building Strong Brands. New York: Free Press, 1996.

Restrepo, Jorge A.  Segment-Target-Position. http://www.eurkafacts.com/STPArticle.pdf, 1994.

Janz, Christoph. Five ways to build a $100 million business http://christophjanz.blogspot.com.br/2014/10/five-ways-to-build-100-million-business.html, acesso em novembro de 2017.

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