Brasil e o Desenvolvimento de IA: Oportunidades e Barreiras Regulatórias

1. O Papel da ABES no Cenário Tecnológico Brasileiro

A Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) desempenha um papel crucial no desenvolvimento do setor tecnológico do Brasil. Com um propósito claro de construir um país mais digital e menos desigual, a ABES atua como uma ponte entre inovação, sustentabilidade econômica e social, e competitividade global.

Representando mais de 2.000 empresas, que juntas geram mais de 260 mil empregos diretos e movimentam R$ 107 bilhões anualmente, a ABES se destaca por promover um ambiente de negócios propício à inovação. A maioria dessas empresas são pequenas e médias, responsáveis por oferecer soluções em hardware, software e serviços de tecnologia que impulsionam a produtividade e eficiência de negócios em todo o país.

Além disso, a ABES colabora com polos tecnológicos, incubadoras e aceleradoras, fortalecendo o ecossistema de inovação brasileiro. Essa integração é essencial para que o Brasil possa competir em um mercado global cada vez mais dominado por tecnologias avançadas, como a (IA).

Porém, desafios regulatórios como o PL 2338/23 ameaçam comprometer essa competitividade, criando barreiras para o avanço da IA e reduzindo o potencial de inovação no Brasil. É nesse contexto que a atuação da ABES se torna ainda mais importante, levantando questões fundamentais sobre como o país pode equilibrar regulação e desenvolvimento tecnológico — um tema central que será explorado neste post.


2. O PL 2338/23: Avanços e Controvérsias

O Projeto de Lei 2338/23, que visa regular a no Brasil, é visto como um marco importante, mas também carrega preocupações significativas. Apesar de avanços pontuais nas versões mais recentes, como as apresentadas em novembro de 2024, ainda existem questões estruturais que precisam ser resolvidas antes de sua aprovação​.

Avanços no texto do PL 2338/23

A ABES reconhece que o texto atual contém melhorias em relação às versões anteriores. Entre os avanços estão o maior detalhamento sobre a classificação de sistemas de IA de alto risco e propostas que buscam alinhar o Brasil às diretrizes internacionais. No entanto, essas melhorias ainda não eliminam problemas críticos para o setor de tecnologia.

Comparação com o AI Act da União Europeia

Um ponto de preocupação destacado pela ABES é o fato de o PL 2338/23 ser ainda mais restritivo que o AI Act da União Europeia. Este último já é amplamente criticado por dificultar investimentos e prejudicar a competitividade, especialmente entre startups e pequenas e médias empresas. De acordo com pesquisas citadas, cerca de 60% das empresas europeias consideram as regulações atuais como um obstáculo para inovação​.

Foco na tecnologia, e não no uso

O principal problema do PL 2338/23 é seu enfoque na regulação da tecnologia em si, em vez de considerar os contextos de uso. Segundo a ABES, a solução seria limitar a regulação aos sistemas de alto risco, como proposto pela indústria brasileira. Isso permitiria o desenvolvimento de tecnologias inovadoras sem comprometer a segurança ou a competitividade do país​.

“Hoje, 60% das empresas europeias indicam que a regulação é um obstáculo para investimentos e competitividade […] É esse o modelo que o Brasil está buscando importar da Europa”​.

3. Impactos do PL 2338/23 no Desenvolvimento de IA no Brasil

O Projeto de Lei 2338/23 apresenta pontos que podem comprometer severamente o avanço do Brasil no desenvolvimento e aplicação de . Embora seu objetivo seja criar um ambiente regulatório seguro, as medidas propostas impõem restrições que colocam o país em desvantagem competitiva no cenário global.


3.1. Direitos autorais e aprendizado de máquina

A exigência de um regime rigoroso de direitos autorais é uma das principais críticas ao PL 2338/23. O projeto introduz medidas como:

  • Identificação obrigatória de cada conteúdo utilizado para o aprendizado de máquina (artigo 62).
  • Proibição da mineração de dados para fins comerciais (artigo 63).
  • Exigência de remuneração retroativa aos detentores de direitos autorais (artigos 64 e 65).

Essas medidas inviabilizam o treinamento de modelos de IA no Brasil. Sem acesso a uma abundância de dados para aprendizado de máquina, as empresas enfrentam custos elevados e complexidade legal, afastando investimentos em startups e data centers​.

Consequências previstas:

  • Empresas brasileiras poderiam ser forçadas a realizar o “destreinamento” de modelos já treinados.
  • Startups e setores como fintechs, healthtechs e agritechs perderiam competitividade no mercado global.
  • A produção de modelos de IA que entendam os contextos culturais e sociais brasileiros seria inviabilizada​.

3.2. Generalização de risco em sistemas de

O PL 2338/23 considera, de forma generalizada, que todos os sistemas de apresentam alto risco. Essa abordagem ignora os diferentes contextos de aplicação e pode desestimular a inovação.

Por exemplo, desenvolvedores de sistemas de terão que cumprir requisitos caros e complexos, mesmo quando o uso de suas tecnologias não apresentar riscos significativos. Esse excesso de regulação impacta principalmente pequenas e médias empresas, que são frequentemente as mais inovadoras​.

Problema central:
A definição ampla de “risco sistêmico” no inciso XXX do projeto aumenta a incerteza regulatória. Segundo o texto, “potenciais efeitos adversos” são classificados como de alto risco, independentemente de contexto ou uso​.

3.3. Liberdade de expressão sob ameaça

Outro aspecto preocupante é a inclusão de plataformas de internet como sistemas de alto risco. O artigo 14, inciso XIII, trata atividades como curadoria, difusão e recomendação de conteúdo (exemplo: feeds de redes sociais) como passíveis de regulação pelo Poder Executivo.

Essa medida amplia significativamente o escopo de regulação, gerando riscos à liberdade de expressão e ao pluralismo democrático. Além disso, a regulação infralegal pode ser usada de forma desproporcional, criando insegurança jurídica para empresas e plataformas digitais​.

“O PL confere poder normativo, regulatório, fiscalizatório e sancionatório para o Poder Executivo, com um escopo amplo e indeterminado sobre aplicações de internet”​

Os impactos do PL 2338/23 são abrangentes e atingem tanto o setor privado quanto público, afetando a inovação, a competitividade e o acesso a serviços tecnológicos de qualidade. Para que o Brasil possa competir no cenário global, é essencial ajustar o projeto de lei, tornando-o mais focado nos usos de IA de alto risco e menos restritivo em relação ao desenvolvimento tecnológico.

4. Recomendações da ABES para uma Regulação Eficiente

Para enfrentar os desafios apresentados pelo PL 2338/23, a Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) propõe ajustes fundamentais para tornar a regulação da Inteligência Artificial no Brasil mais equilibrada e eficaz. Essas mudanças buscam alinhar o Brasil a práticas internacionais de regulação e incentivar a inovação tecnológica no país.


4.1. Foco em usos de alto risco

A ABES sugere que a regulação se concentre nos usos de alto risco, em vez de abordar os sistemas de IA de forma generalizada. Essa abordagem garantiria que apenas aplicações específicas e comprovadamente perigosas fossem alvo de controle mais rigoroso, permitindo que o restante do ecossistema tecnológico continue a se desenvolver sem barreiras excessivas​.

Recomendação específica:
Alterar dispositivos no texto, como o Artigo 14, para que sistemas de IA sejam classificados como de alto risco apenas em contextos de uso que realmente representem uma ameaça significativa​.


4.2. Ajustes no regime de direitos autorais

Para viabilizar o treinamento de modelos de IA, a ABES recomenda:

  • Eliminar a obrigação de identificar cada conteúdo utilizado no aprendizado (Artigo 62).
  • Permitir a mineração de dados para fins comerciais (Artigo 63).
  • Suprimir as exigências de remuneração retroativa aos detentores de direitos autorais (Artigos 64 e 65)​.

Essas mudanças promoveriam um ambiente jurídico mais favorável para a inovação, similar ao de países como Japão, EUA e Israel, que adotam abordagens flexíveis para proteger tanto o desenvolvimento tecnológico quanto os direitos autorais.


4.3. Alinhamento com padrões internacionais

A definição de “risco sistêmico” no texto atual é considerada ampla demais. A ABES recomenda alinhar essa definição a padrões como o do National Institute of Standards and Technology (NIST) dos EUA, que estabelecem critérios objetivos baseados em impacto e capacidade técnica​.


4.4. Proteção à liberdade de expressão

A inclusão de plataformas de internet como sistemas de alto risco deve ser revisada para evitar a interferência desproporcional no funcionamento de redes sociais e outras plataformas digitais. A ABES sugere excluir o inciso XIII do Artigo 14 e modificar o Artigo 15 para limitar a regulação dessas plataformas a leis específicas, evitando insegurança jurídica e riscos à liberdade de expressão​.


Conclusão

O PL 2338/23 representa um passo importante no esforço de regular a Inteligência Artificial no Brasil, mas suas restrições podem comprometer o desenvolvimento tecnológico, a inovação e a competitividade do país no cenário global.

A ABES desempenha um papel essencial ao destacar os ajustes necessários para que a regulação seja eficaz, segura e promova a inclusão digital. Entre as principais mudanças propostas estão o foco nos usos de alto risco, flexibilização dos direitos autorais e alinhamento com padrões internacionais.

O futuro do Brasil no mercado global de tecnologia depende de decisões regulatórias equilibradas. Ao adotar uma abordagem que incentive a inovação sem comprometer a segurança, o Brasil poderá se posicionar como líder no desenvolvimento responsável de IA.

Referência Bibliográfica

ABES. Brasil poderá ficar fora do desenvolvimento de IA, assegura ABES. Disponível em: https://abes.com.br/brasil-podera-ficar-fora-do-desenvolvimento-de-ia-assegura-abes-2. Acesso em: 19 dez. 2024.

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