“Com a diminuição do interesse entre os jovens, o futuro pode ver uma empresa contábil mais enxuta, mais estratégica, com uma ênfase maior na tecnologia e na análise de dados.“
Roberto Dias Duarte
A profissão contábil está em um ponto de inflexão. Uma vez considerada uma rota confiável para estabilidade financeira e crescimento profissional, a contabilidade está agora enfrentando uma crise de identidade e atratividade. A questão é: como os líderes e sócios de escritórios de contabilidade podem responder a essa mudança de paradigma? Este artigo, baseado em uma investigação minuciosa conduzida pelo Wall Street Journal, se propõe a desvendar os fatores subjacentes a essa crise e apresentar um panorama claro do cenário atual.
A estagnação salarial é um dos principais obstáculos que desanima os jovens profissionais. Enquanto outras carreiras têm visto um aumento salarial, a remuneração na contabilidade permaneceu praticamente inalterada. Essa discrepância salarial é apenas a ponta do iceberg, com a crise de matrículas nas universidades apontando para um desinteresse crescente na profissão.
Mas a análise não para por aí. Este artigo também explora as várias estratégias que estão sendo implementadas por firmas de contabilidade e instituições acadêmicas para reverter essa tendência. De ajustes salariais a uma revisão completa do currículo educacional, várias iniciativas estão sendo testadas para restaurar o apelo da contabilidade.
Ao se aprofundar nas descobertas deste artigo, você, como líder em seu campo, será desafiado a refletir sobre as estratégias que seu próprio escritório pode adotar para atrair e reter talentos, garantindo assim um futuro sustentável na indústria contábil.
Desafios Salariais e Escolha de Carreira
A escolha de uma carreira é muitas vezes guiada pela perspectiva de ganhos financeiros, estabilidade e crescimento profissional. No entanto, o artigo do Wall Street Journal destaca uma mudança de paradigma onde jovens profissionais estão reconsiderando a carreira de contabilidade devido a desafios salariais.
Tomer Downing, de 24 anos, emergiu como um exemplo representativo dessa tendência. Ele escolheu se especializar em finanças em vez de contabilidade na University of Houston. A razão por trás dessa decisão foi bem clara: a disparidade salarial e o tempo adicional exigido para educação, especialmente a necessidade de completar um quinto ano de faculdade para obter a licença de Contador Público Certificado (CPA), não justificavam a escolha da contabilidade para ele. Downing foi citado dizendo: “Meu motivo para ir à faculdade era conseguir um emprego. Aprendizagem é ótima, mas eu estava lá para ganhar um salário.”
Este cenário não se limita a um indivíduo ou região. A análise de dados de salário compilados pelo Census Bureau, conforme relatado pelo WSJ, revela que enquanto outros setores viram um aumento nos salários para jovens profissionais, a remuneração média para jovens contadores permaneceu estagnada, quando ajustada pela inflação. O artigo também destacou uma comparação salarial entre diferentes profissões para indivíduos na faixa etária de 25 a 29 anos, mostrando um contraste notável entre a contabilidade e outras carreiras, como analistas financeiros, especialistas em marketing e analistas de gestão.
Recrutamento e Retenção
Durante décadas, as grandes firmas de contabilidade, como Ernst & Young e KPMG, foram ímãs para recém-formados, oferecendo a promessa de salários sólidos e segurança no emprego. Um exemplo notável é o de Paul Knopp, o atual CEO da KPMG, que começou sua carreira como associado de auditoria na década de 1980. Knopp, um estudante de primeira geração de uma universidade pública, viu a contabilidade como um meio seguro para alcançar uma carreira bem-sucedida mesmo sem capital inicial.
No entanto, o cenário está mudando. Knopp, em uma tentativa recente de atrair estudantes para a profissão contábil, compartilhou sua trajetória profissional com estudantes e professores da Howard University. Apesar dos esforços, a realidade é que a atração inicial que a contabilidade tinha está diminuindo. Uma das razões para isso é a estagnação salarial que está desencorajando os jovens a entrar na profissão.
A KPMG, reconhecendo essa tendência, tomou medidas para aumentar os salários de entrada e expandiu suas ofertas de estágio no verão de 2023, na esperança de atrair candidatos qualificados. Mesmo com essas medidas, a profissão ainda está enfrentando uma escassez de talentos, uma situação que é exacerbada pelo número crescente de contadores existentes que estão deixando a profissão. De acordo com o Bureau of Labor Statistics, mais de 300.000 contadores deixaram a profissão entre 2019 e 2022.
Impacto na Educação
As instituições de ensino superior estão enfrentando o impacto direto dessa mudança de atitude em relação à contabilidade. Programas de contabilidade em universidades renomadas, como a Florida Atlantic University e a University of Maryland, têm visto suas inscrições ou o número de graduandos cair em percentuais de dois dígitos nos últimos anos.
A resposta a essa tendência tem sido uma tentativa de revitalizar o currículo de contabilidade. Prabhudev Konana, o decano da escola de negócios da University of Maryland, por exemplo, está trabalhando para integrar temas populares e recentes, como blockchain e criptomoeda, no currículo contábil. A ideia é afastar-se da instrução tradicional de débitos e créditos desde o início, e, em vez disso, engajar os estudantes com tópicos que possam encontrar excitantes e relevantes para o mundo dos negócios moderno.
Transição de Carreira
A realidade desafiadora da profissão contábil também é vista na narrativa de indivíduos que optaram por transições de carreira. Michael Berthold é um exemplo, que após a graduação em 2018, começou na divisão de impostos de uma grande firma, ganhando cerca de US$55,000 por ano. No entanto, as longas horas de trabalho, muitas vezes chegando a 13 horas por dia, preparando documentação fiscal e convertendo dados, deixaram pouco espaço para suas paixões pessoais, como sua banda indie-pop. A frase “A contabilidade foi praticamente uma sentença de morte para os meus sonhos” captura vividamente sua experiência. Berthold finalmente deixou a contabilidade para seguir a música, encontrando um equilíbrio mais gratificante e uma taxa de pagamento mais alta em uma empresa que oferece serviços de contabilidade.
Crise de Matrículas
A crescente desilusão com a carreira de contabilidade está refletindo de maneira alarmante nas matrículas universitárias. George Young, que dirige a escola de contabilidade na Florida Atlantic University, descreve a situação atual como a “pior crise em matrículas de contabilidade que vi em 30 anos”. Desde 2017, o número de estudantes de graduação e pós-graduação matriculados em programas de contabilidade na universidade caiu pela metade. Esse declínio não é um fenômeno isolado, mas uma tendência observada em várias instituições de ensino.
Os estudantes estão desviando seus interesses para áreas como marketing e sistemas de informação de gestão, que são percebidas como mais modernas e potencialmente mais lucrativas. Essa mudança também pode ser atribuída à percepção de que outras carreiras oferecem melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal, além de oportunidades mais excitantes e inovadoras.
A resposta de algumas universidades a essa crise tem sido tentar revitalizar a contabilidade, tornando-a mais atraente e relevante. Um exemplo é a iniciativa de integrar tópicos contemporâneos como blockchain e criptomoedas no currículo contábil, uma tentativa de alinhar a educação contábil com as tendências emergentes do setor financeiro e tecnológico.
Ajustes Futuros na Profissão
As firmas de contabilidade estão começando a sentir o aperto e estão explorando maneiras de tornar a profissão mais atraente para os jovens. Seth Siegel, o CEO da Grant Thornton, uma das maiores firmas de contabilidade do país, mencionou a necessidade de recrutar de uma gama mais ampla de majors, incluindo economia e ciência de dados, devido ao declínio nas matrículas de contabilidade.
A Grant Thornton, reconhecendo a necessidade de ajustes, aumentou o salário de entrada em 2021. No entanto, Siegel observou que esse aumento não compensa necessariamente o salário perdido ao dedicar um quinto ano à educação para obter a certificação CPA. Como uma estratégia adicional, a firma está considerando oferecer bolsas de estudo e programas que combinam trabalho e educação para aliviar o fardo financeiro dos estudantes.
A longo prazo, Siegel aponta para uma realidade potencial onde a contabilidade pode ter que depender mais de tecnologias como a inteligência artificial, com “menos profissionais humanos” que precisarão ser treinados sobre como aproveitar essa tecnologia. Isso, segundo ele, mudará a cara da carreira contábil mais uma vez, preparando o terreno para um futuro onde a contabilidade será menos sobre a gestão manual de números e mais sobre a gestão estratégica e análise de dados.
Conclusão
A profissão contábil está em uma encruzilhada que exigirá uma reavaliação profunda e talvez uma redefinição de seu papel na sociedade moderna. Com a diminuição do interesse entre os jovens, o futuro pode ver uma empresa de contabilidade mais enxuta, mas mais estratégica, com uma ênfase maior na tecnologia e na análise de dados. As firmas que conseguirem se adaptar e oferecer um ambiente de trabalho atraente, juntamente com oportunidades de crescimento e aprendizado, provavelmente prosperarão, enquanto aquelas que não conseguirem se adaptar podem enfrentar dificuldades.
A integração de novas tecnologias e a adaptação a um cenário de negócios em evolução serão cruciais para garantir a relevância e a competitividade no futuro. A contabilidade, como a conhecemos, pode passar por uma transformação significativa para atender às demandas de um mundo empresarial em rápida mudança.
Diante dessas projeções, uma pergunta fundamental surge: está o seu escritório preparado para a evolução iminente na profissão contábil, e quais passos você está tomando para garantir um futuro sustentável e bem-sucedido na indústria?
Referência
Ellis, L., & Overberg, P. (2023, 6 de outubro). Why No One’s Going Into Accounting. Wall Street Journal. Acessado em 7 de outubro de 2023