A Economia da Opinião: Transformações Digitais (2015-2025)

TL;DR: Entre 2015 e 2025, ocorreu uma transformação econômica digital caracterizada pela tendência da informação a custo zero e pela ascensão da opinião como ativo econômico tangível, reconfigurando os mercados digitais e forçando profissionais do conhecimento a reinventarem suas propostas de valor.

Takeaways:

  • A informação digital possui alto custo fixo, mas custo marginal próximo de zero, o que pressiona seu preço para baixo e provoca a desintermediação do conhecimento.
  • O marketing de influência cresceu de US$1,7 bilhão em 2016 para US$13,8 bilhões em 2021, evidenciando a monetização da opinião e o poder econômico da reputação digital.
  • Setores baseados em conhecimento, como consultoria e contabilidade, enfrentaram a comoditização e foram forçados a focar em serviços de maior valor agregado e construção de autoridade digital.
  • O sucesso na nova economia digital depende da combinação de competência técnica, comunicação eficaz, presença digital estratégica e cultivo de reputação.

A Revolução Silenciosa: Como a Informação Gratuita e a Economia da Opinião Transformaram o Mercado Digital (2015-2025)

Introdução: O Novo Paradigma Digital

Entramos na era da chamada economia da informação, onde dados, conhecimento e conteúdo digital tornaram-se recursos centrais da atividade econômica. Nos últimos dez anos, testemunhamos uma transformação radical: a abundância informacional sem precedentes combinada com a ascensão meteórica da opinião como força econômica tangível.

Pense por um momento: quando foi a última vez que você pagou por uma informação básica? Provavelmente não se lembra. A internet democratizou o acesso ao conhecimento de uma forma que seria inimaginável há apenas duas décadas.

Hoje, qualquer indivíduo com conexão internet pode tanto acessar informações diretamente de fontes primárias quanto publicar suas próprias informações e opiniões para um público potencialmente global. Essa conectividade onipresente “causou transformações profundas na forma de as organizações operarem e na necessidade de repensar os fundamentos da estratégia empresarial”.

Este artigo investiga uma tese fundamental para compreender o momento atual: a informação tende inexoravelmente a preço zero, enquanto a economia digital se ancora crescentemente em opinião e reputação. Analisaremos o período de 2015 a 2025, explorando as evidências empíricas e os impactos setoriais desta revolução silenciosa que reconfigurou o valor econômico no mundo digital.

Fundamentos da Economia da Informação e Custo Marginal Zero

A Matemática Implacável dos Bens Informacionais

Na formação do target costing, Shapiro e Varian (1999) enfatizam que “um bem da informação envolve altos custos fixos, mas baixos custos marginais”. Esta característica fundamental molda toda a economia digital: criar uma informação original (seja um software, um livro ou uma pesquisa científica) pode custar milhões, mas reproduzi-la digitalmente custa próximo de zero.

Este princípio econômico tem consequências profundas. Em um mercado de concorrência perfeita, a teoria econômica prevê que o preço tende a se aproximar do custo marginal. Se o custo marginal é virtualmente zero, o preço também tenderá a zero.

A Não-Rivalidade e a Abundância Digital

Diferentemente de bens físicos, a informação é não-rival: seu consumo por uma pessoa não impede o consumo simultâneo por outras. Quando você lê um artigo online, não o “consome” de forma que impeça outros de acessá-lo.

Esta característica reforça a tendência deflacionária dos preços informacionais, minando modelos econômicos baseados na escassez. Observamos isso claramente entre 2015 e 2025:

  • Serviços como Wikipedia, Google Search, YouTube e redes sociais oferecem volumes massivos de informação a usuários finais sem cobrança, monetizando-se por vias indiretas (publicidade ou coleta de dados).
  • Plataformas de streaming reduziram drasticamente o custo por unidade de conteúdo consumido.
  • Aplicativos educacionais gratuitos democratizaram o acesso ao conhecimento.

O valor não desaparece, mas é capturado de outras formas — um fenômeno que analisaremos mais adiante.

Desintermediação do Conhecimento na Era Digital

O Fim dos Guardiões da Informação

Antes da era digital, o acesso à informação era mediado por instituições como universidades, editoras, jornais e bibliotecas. Estes “guardiões” controlavam quais informações chegavam ao público e como eram apresentadas.

A internet e as mídias sociais dissolveram essas barreiras. Qualquer pessoa pode publicar um blog, criar um canal no YouTube ou compartilhar conhecimento em plataformas como Medium, Substack ou Twitter. Esta desintermediação eliminou filtros tradicionais, conectando produtores e consumidores de conteúdo diretamente.

Democratização e Desafios

A desintermediação do conhecimento trouxe benefícios evidentes:

  • Democratização do acesso ao saber
  • Diversidade de vozes e perspectivas
  • Redução de custos de distribuição
  • Aceleração na disseminação de novas ideias

Mas também criou desafios significativos:

  • Falta de verificação e controle de qualidade
  • Sobrecarga informacional
  • Dificuldade em distinguir informações confiáveis
  • Polarização e bolhas informacionais

Um efeito direto da desintermediação no âmbito econômico é a competição ampliada no mercado de conhecimento. Consultores e especialistas tradicionais hoje competem não apenas entre si, mas com conteúdos gratuitos disponíveis online. Esta realidade forçou uma reinvenção de como o conhecimento é valorado e monetizado.

Ascensão da Opinião como Ativo Econômico

A Monetização Sistemática da Opinião

Talvez o fenômeno mais fascinante da última década seja a transformação da opinião em um ativo econômico tangível. A capacidade de influenciar percepções e decisões tornou-se um recurso mensurável e comercializável.

Em 2020, o mercado de marketing de influência ultrapassou US$9,7 bilhões e estava projetado em US$24 bilhões em 2024, superando de longe o crescimento da publicidade tradicional. Este crescimento vertiginoso reflete empresas comprando a opinião favorável de influenciadores, transformando a opinião bem posicionada em mercadoria de alto valor.

O Poder Econômico da Reputação Digital

A opinião do consumidor, antes limitada a círculos sociais pequenos, tornou-se altamente visível e difundida através de:

  • Avaliações online (Yelp, TripAdvisor, Google Reviews)
  • Comentários em redes sociais
  • Resenhas em plataformas de e-commerce
  • Fóruns e comunidades digitais

Uma pesquisa citada por Solow (2021) mostrou que, no Brasil, 73% dos usuários de redes sociais já compraram algum produto por indicação de um influenciador, e 86% descobriram um produto novo via conteúdo de influenciadores. Estes números revelam o impacto econômico direto das opiniões no comportamento de consumo.

A recomendação positiva de um influenciador permite que uma marca eleve preços ou conquiste fatia de mercado rapidamente. Inversamente, opiniões negativas podem destruir valor de mercado em questão de horas.

Modelo Tradicional vs. Autoridade Digital: Geração e Intermediação de Conhecimento

Duas Abordagens em Contraste

Para compreender plenamente a transformação em curso, vale comparar os modelos de geração e intermediação do conhecimento:

Modelo Tradicional (Pré-Digital):

  • Autoridade baseada em credenciais formais e instituições
  • Conhecimento estruturado e codificado
  • Intermediação profissional
  • Precificação baseada em escassez/valor intrínseco
  • Confiança derivada de títulos e certificações

Modelo de Autoridade Digital:

  • Autoridade baseada em alcance e conexão
  • Conhecimento dinâmico e fragmentado
  • Desintermediação e abundância de vozes
  • Monetização frequentemente indireta
  • Confiança construída por proximidade e autenticidade

A confiança no influenciador/autoridade digital frequentemente vem da identificação pessoal. Consumidores tendem a confiar em alguém que “parece com eles” ou entende seus problemas cotidianos, em contraste com o especialista tradicional cuja credibilidade vinha de diplomas e certificações.

Hibridização e Tendências Emergentes

Na prática, observamos uma hibridização crescente. Especialistas tradicionais adentraram o mundo digital, enquanto influenciadores buscam credenciais formais para fortalecer sua autoridade. O valor econômico, no entanto, pende cada vez mais para quem detém atenção e reputação online.

A confiança ainda existe – inclusive a marca ainda pesa (como um ditado comum diz, “ninguém jamais foi demitido por contratar a McKinsey”) – mas a relação é mais horizontal agora. Consultores frequentemente colaboram com times internos do cliente que também têm bons conhecimentos.

Evidências Empíricas da Informação Tendendo a Preço Zero

A Ubiquidade do Conteúdo Gratuito

A disponibilidade de conteúdo informativo gratuito atingiu níveis históricos. A Wikipedia, principal enciclopédia online, contava em 2021 com mais de 55 milhões de artigos em centenas de línguas, acessíveis sem custo por qualquer pessoa com internet.

Outras evidências que sustentam a tendência de preço zero incluem:

  • Expansão de conteúdo digital gratuito: Além da Wikipedia, blogs, YouTube, podcasts e redes sociais oferecem volumes massivos de informação gratuita.
  • Modelos de negócio baseados em gratuidade: Gigantes como Google e Facebook oferecem serviços gratuitos, monetizando via publicidade ou dados.
  • Queda de preços onde havia cobrança: Serviços de streaming reduziram drasticamente o custo por unidade de conteúdo, e serviços de dados móveis ficaram mais acessíveis.

Essas tendências sustentam a noção de que o preço efetivo da informação caminhou rumo a zero em inúmeros segmentos. Isso não significa ausência de valor econômico, mas sim que o valor é capturado de formas indiretas.

Ressalvas e Contrapontos

Nem toda informação tornou-se gratuita. Informações altamente especializadas, organizadas ou exclusivas ainda encontram disposição a pagar. Empresas de conteúdo investem em qualidade e exclusividade para reter valor de preço.

O desafio central para organizações e profissionais do conhecimento é justamente este: como gerar valor em um ambiente onde a informação básica tende a preço zero? A resposta tem sido frequentemente encontrada na economia da opinião.

Evidências da Economia Digital Baseada em Opinião

O Boom dos Influenciadores Digitais

O crescimento do mercado de marketing de influência é talvez a evidência mais clara da economia baseada em opinião. Este mercado cresceu de aproximadamente US$1,7 bilhão em 2016 para cerca de US$13,8 bilhões em 2021.

Esse crescimento de quase 10 vezes em menos de 10 anos superou de longe o crescimento do próprio setor de publicidade online. Em 2021, estimava-se que existiam aproximadamente 50 milhões de pessoas no mundo se considerando “criadores de conteúdo” (incluindo influenciadores profissionais e amadores).

Impacto Econômico Tangível

Diversos estudos confirmam a influência direta das opiniões digitais nas decisões econômicas:

  • Influência sobre decisões de consumo: 73% dos usuários de redes sociais já compraram por indicação de influenciadores.
  • Opiniões agregadas moldando mercados: Avaliações no Yelp afetam diretamente receitas de restaurantes; reviews no Amazon determinam o sucesso de produtos.
  • Caso dos consultores digitais: Profissionais que construíram autoridade online conseguem cobrar mais e atrair mais clientes que seus pares com mesmas credenciais, mas sem presença digital.
  • Redefinição de “expert” pela Geração Z: Pesquisas mostram que jovens confiam mais em influenciadores do que em especialistas tradicionais para diversas decisões.

Estes dados atestam o peso crescente da opinião e reputação digital nas decisões econômicas recentes.

Impactos Setoriais: Consultoria e Contabilidade

Transformações no Setor de Consultoria

O setor de consultoria empresarial, tradicionalmente baseado na venda de conhecimento especializado, enfrentou desafios significativos com a gratuidade da informação e a ascensão da economia da opinião:

Comoditização do conhecimento e pressão nos honorários:
Consultorias viram suas “receitas secretas” (frameworks, metodologias) serem ensinadas em MBAs ou compartilhadas em artigos online, exigindo que recriem valor de outras formas além do simples repasse de conhecimento.

Geração de valor focada em implementação e tecnologia:
Para combater a comoditização, consultorias estão investindo em propriedade intelectual dinâmica – por exemplo, desenvolvendo software proprietário, ferramentas de análise exclusivas – para sair da armadilha da informação commodity e oferecer ativos diferenciados que justifiquem cobranças.

Importância do marketing de conteúdo e autoridade digital:
Consultores descobriram que precisam construir autoridade digital para atrair clientes. Muitos investem em blogs, podcasts, webinars e presença em redes sociais para demonstrar expertise e construir reputação.

Esse fenômeno se conecta à ideia já mencionada de comoditização do conhecimento: quando modelos, técnicas e informações outrora restritas tornam-se acessíveis publicamente, o diferencial competitivo baseado apenas na posse da informação diminui.

Transformações no Setor Contábil

O setor contábil enfrentou desafios similares:

Automação de tarefas básicas e softwares acessíveis:
Softwares de contabilidade tornaram-se acessíveis a pequenas empresas, reduzindo a necessidade de serviços básicos.

Mudança de foco para serviços consultivos e analíticos:
Contadores estão migrando para serviços de maior valor agregado, como planejamento tributário, análise financeira e consultoria estratégica.

Marketing digital para construção de autoridade:
Assim como consultores, contadores (sobretudo os que atuam como autônomos ou em microempresas) descobriram o poder do marketing de conteúdo e das redes sociais para atrair e reter clientes.

Para contadores e escritórios, a década significou automatizar o commodity e amplificar o consultivo, com a economia da opinião manifestando-se na necessidade de cultivar uma marca de confiabilidade e na diferenciação entre serviços básicos e consultivos premium.

Conclusão: Navegando a Nova Realidade Econômica

Entre 2015 e 2025, a economia digital consolidou duas tendências fundamentais: a comoditização da informação (tendendo a preço zero) e a centralidade da opinião e da reputação como fontes de valor e diferenciação.

Esta transformação não significa o fim do conhecimento especializado ou da expertise técnica. Pelo contrário, indica um reequilíbrio onde conhecimento técnico e opinião se complementam numa nova dinâmica. Profissionais e organizações bem-sucedidos são aqueles que conseguem aliar:

  • Competência substantiva em sua área
  • Comunicação eficaz e envolvente
  • Presença digital estratégica
  • Cultivo de reputação e confiança

As implicações são profundas para todos os setores, especialmente aqueles baseados em conhecimento. A sociedade como um todo enfrenta desafios correlatos:

  • Assegurar qualidade informacional em um ambiente de abundância
  • Educar usuários para filtrar e avaliar opiniões
  • Repensar métricas econômicas que capturem o valor gerado fora das trocas monetárias tradicionais

A economia digital segue em evolução, e compreender estes vetores fundamentais – informação a preço zero e centralidade da opinião – é essencial para navegar um mundo de informação abundante e influência onipresente.

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